Ricos não entram no céu!

Por Mateus de Castro:

Quando Jesus Cristo afirma no Sermão da Montanha que "ricos não entrarão no Reino dos Céus", ele está sendo o primeiro marxista?

Jesus Cristo foi o primeiro marxista! Se você entender que qualquer um que olhe pelos pobres é um marxista, então, sem dúvida!
Nenhuma outra figura messiânica tratou tanto dos pobres e deles se lembrou. Em diversas passagens da Bíblia, Cristo demanda a caridade, uma atenção especial aos pobres, o abandono material e condena a riqueza. Certo? Não exatamente.
Desde os primeiros passos do cristianismo, a Igreja se viu forçada a, de tempos em tempos, esclarecer sua doutrina. O que culminaria na necessidade dos famosos concílios. Ao contrário do que muitos pensam, a Igreja sempre reagiu a agressões e a distorções de sua doutrina. Afinal, a preservação da doutrina é outra de suas missões. Doutrina essa interpretada pelas melhores mentes de suas épocas, como Agostinho no século IV e Tomás de Aquino no século XIII, entre tantos outros. As distorções doutrinais ganhavam o nome de heresia. Heresia vem de um termo grego que significa escolha. No caso, significava demonstrar que alguém escolhia a sua interpretação pessoal, e não a doutrina definida pela Igreja.


Uma das primeiras heresias cristológicas, ou seja, sobre Cristo, foi o Ebionismo. O Ebionismo consistia basicamente em negar a natureza divina de Cristo. Isto é, torná-lo apenas um ‘homem bom’. Soa familiar? Pois devia! As idéias ebionistas ressurgiram sob diversas formas nos últimos dois mil anos. Não que os ebionistas tenham retornado, mas suas idéias foram assimiladas e ganharam vários banhos de loja nos últimos tempos.

O marxismo, por exemplo, abraça a idéia de um Jesus apenas humano. Estão aí a CNBB e a maioria da Igreja no Brasil que não nos deixam mentir! Alguns autores não foram tímidos ao unir Cristo ao marxismo, como Ernst Bloch e Camilo Torres Restrepo, que seria uma das influências da Teologia da Libertação, e famoso pela frase “se Jesus estivesse vivo hoje, Ele seria um guerrilheiro”.

Transformar Jesus em apenas um ‘homem bom’ é uma epidemia. É apenas natural que um dos sintomas seja a interpretação dos seus atos sob a visão humanista. Por essa interpretação, quando Jesus diz em Mt 19,21: “Vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu“, Jesus estaria falando de divisão total de bens e igualitarismo.

Se não é disso que Ele está falando, do que será? Para tentar entender, devemos primeiro visitar as raízes judaicas do cristianismo. Marxistas vão torcer o nariz, mas é a única forma de entender.

Embora as obrigações judaicas não fossem sempre as mesmas em todos os momentos de sua história, algumas são perenes. A Tzedakah é uma delas. A palavra costuma ser traduzida por justiça, ou mais comumente como caridade. Tradicionalmente era entendida como uma maneira de ajudar o pobre. Na Septuaginta, a tradução grega da versão judaica do Antigo Testamento, ela é tratada como “dar esmola”. Porém, a interpretação judaica comum significava ajudar o pobre de tal forma que ele pudesse se reerguer na vida e se sustentar sozinho. Isso incluía até mesmo torná-lo seu sócio temporariamente. Curiosamente, nada que se pareça com a versão marxista do sustento estatal e da planificação econômica.

Os judeus tinham a obrigação pessoal de evitar a pobreza. Quer dizer, é obrigação de todos trabalhar e se esforçar pelo que é seu.

Outra visão judaica é do pobre como irmão (achikha). Dentro dessa visão, nenhum homem deveria acumular tanto dinheiro sem ajudar um irmão em estado de pobreza. Aqui temos uma pista sobre o que Cristo queria dizer em várias passagens do Novo Testamento.

Unindo essas visões, percebemos que os judeus deveriam trabalhar com afinco por uma situação pessoal melhor, mas sem esquecer dos pobres, seus irmãos. Caso fosse necessário, um grande sacrifício pessoal deveria ser feito para ajudá-los. Não sustentá-los para sempre! Mas recolocá-los no caminho da dignidade humana do sustento próprio.

No capítulo 5 do Evangelho de São Mateus, começa o discurso mais bonito entre tantas lindas palavras ditas por Jesus. Ficou conhecido como “O Sermão da Montanha”.

Em Mt 5,3, Cristo nos manda ser “pobres de espírito”. Algumas traduções dizem “ter espírito de pobre”. As duas formas se referem à mesma coisa. Lembre-se que Cristo falava para uma platéia de judeus, e eles imediatamente entenderiam suas referências. No caso, Cristo falava não só de humildade, mas de um espírito caridoso de irmandade divina entre os homens.

Em outro momento do sermão (Mt 6,24), Jesus diz “Não podeis servir a Deus e às riquezas“. Ao contrário do que alguns podem pensar, isso não é uma condenação da riqueza em si. É permitido ao homem acumular ganhos pessoais, desde que ele não esqueça de seus irmãos. Pela cultura judaica (e pela lógica), o homem só pode ajudar o irmão se ele tiver algo acumulado. Ler o versículo inteiro nos mostra que antes disso Jesus falava sobre não servir dois senhores. Jesus quer nos mostrar que o homem deve ser abnegado. Ele devo trabalhar, se sustentar, e ajudar os irmãos. Mas seus olhos devem estar sempre em Deus. Somente com os olhos em Deus o homem fará na Terra o bem para si e para o seu próximo. É a avidez desmesurada que é condenada como pecado da avareza.

Pensemos agora na parte final do Sermão da Montanha, quando Cristo fala em Mt 7,13 sobre a porta estreita. A porta estreita deve ser o caminho escolhido por todos nós, pois a porta larga, a da facilidade e do egoísmo, é o caminho da perdição. Ao invés de comparar com as riquezas, vejamos Mt 7,22. Cristo ensina que muitos dirão: “Senhor, Senhor, não pregamos nós em Vosso nome, e não foi em Vosso nome que expulsamos os demônios e fizemos muitos milagres?“. Ao que Cristo responde: “Eu lhes direi: nunca vos conheci!“. Como poderia ser isso? Essas pessoas não estão servindo a Deus, pregando em Seu nome, e até mesmo realizando milagres? Não estaria Ele se referindo a um sacerdote como um aviso aos discípulos? Voltaremos a esse ponto mais a frente.

Já bem depois do Sermão da Montanha, ainda no Evangelho de Mateus, Jesus fala de outra situação em que o rico não entrará no Reino dos Céus (Mt 19,24). Cristo diz que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus. O que Ele queria dizer com isso? É preciso lembrar que seus ouvintes entenderiam essa citação imediatamente.

Existem várias tradições que explicam essa passagem. A mais comum é sobre uma porta estreita em Jerusalém que seria baixa demais para os camelos carregados de carga. Os mercadores teriam que largar a carga para entrar. Isso seria uma imagem que Cristo usaria para falar novamente sobre a entrega total a Deus. Não é um artifício interpretativo para dar um caráter espiritual onde não tem. A prova disso é que no versículo seguinte os apóstolos perguntam, espantados: “Então, quem pode salvar-se?“. Ora, por que os discípulos estariam espantados? Nenhum deles era rico. Pelo contrário! E o povo judeu era dominado pelo Império Romano. Não havia grandes expectativas de riqueza. Por que eles ficariam preocupados se Cristo estivesse mesmo falando de bens materiais? De ricos e pobres? Não faz sentido!

Voltando ao exemplo do final do Sermão da Montanha (Mt 7,22). Não são apenas os bens materiais que exercem fascínio perigoso no homem. Até mesmo a fé mal entendida ou direcionada pode enfraquecer a ligação do homem com o Senhor. É fácil escolher a porta larga da fascinação do apelo espiritual e se esquecer da caridade. É pelos frutos que conhecereis a árvore, ensina o Senhor. Frutos são as obras. Mas quais obras? As obras que todo cristão deve aprender e praticar. Entre elas, as ensinadas no Sermão da Montanha. Porém, o foco é sempre o Senhor! Toda palavra de Cristo é sobre a salvação da alma.

Cristo não era marxista e nem poderia ser. Não apenas pela óbvia distância no tempo, mas sim pela sua mensagem. Sua mensagem era uma só, dita de várias maneiras: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu pensamento, e o próximo como a si mesmo.” (Lc 10,27).

Jesus não veio ao mundo para falar de bens materiais e nem de organização sócio-política. Ele veio para falar de fé e atos para a salvação; de virtude e de pecado. Não era sobre o pobre, mas sobre o irmão que você deixa sofrer. Não é sobre acumular ou não bens, mas sobre não tirar os olhos de Deus em nenhum momento. Não é sobre libertar o homem fisicamente, mas sobre libertar a alma dos grilhões do pecado.

A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus (Mt 22,21). O marxismo é a antítese do cristianismo. A salvação marxista é o homem, o pobre como objeto de libertação da opressão pelo homem. A Salvação de Cristo é a liberação do homem da chaga do pecado. O pobre, para o cristão (e para o judeu), é um irmão que tem que ser colocado de volta no caminho da salvação. Um caminho individual e não coletivo. Para o cristianismo, não é o mundo que deve regular a riqueza. Ela está a serviço da consciência de cada um.

Os compatriotas de Jesus não entenderam por que ele não os libertou da opressão do mundo. Eles queriam um messias libertador de corpos, e estavam prontos para seguí-lo cegamente se ele assim tivesse se apresentado. Os marxistas também não entendem. Eles também estão sempre prontos a seguir cegamente quem prometer uma utopia na Terra. Se para isso tiverem que distorcer as palavras de Cristo, eles nem hesitam. O problema é que Cristo não prometeu paz, prosperidade ou igualdade na Terra. Ele prometeu coisa muito melhor: um Reino que não é deste mundo!

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